Sobre memórias afetivas da infância e a importância das fábulas

Por Camila Dourado 
Colaboração: Sara Puerta

“Os três porquinhos”, “A cigarra e a formiga”, “A lebre e a tartaruga”, “A formiguinha e a neve”… e muitas outras. Qual adulto, hoje, não se lembra de  ter ouvido pelo menos uma delas ? 

Essas histórias, amplamente difundidas, que atravessam gerações e são contadas em todo o mundo, são as chamadas fábulas, e possuem uma caraterística marcante: animais como protagonistas, na maioria das vezes.

Elas são um modo antigo de contar histórias. Sua origem se deu no século VI a.C, pelo escritor Esopo, que além de ter animais com comportamentos humanos, com defeitos e qualidades, também são carregadas de mensagens, como “pano de fundo”, que provocam reflexões.

A dos  três porquinhos, por exemplo, remete à importância da dedicação ao trabalho; a da lebre e a tartaruga deixa seu recado sobre a importância da humildade; porém, o que vale mesmo é deixar a interpretação livre para quem as ouve. 

Esse tipo de narrativa costuma ser o primeiro contato das crianças com a literatura, e contribui muito para o desenvolvimento da fala. As fábulas também as levam, de forma lúdica, e por meio de contato com um mundo mágico,  a observarem comportamentos e a aprenderem com eles. O grande lance sobre a moral incluída na história é o de deixar questões em aberto para que as crianças elaborem a reflexão.

Em determinado momento, os pequenos (e até adultos) se perceberão envolvidos em situações da vida que os remetem, de alguma forma, àqueles ensinamentos, e assim poderá ficar mais leve lidar com as circunstâncias. 

A linguagem das fábulas é sempre simples, com alguns diálogos de interação entre os personagens, e cheia de alegorias e metáforas. 

Guardo, em minha memória – e em meu coração -, uma história que minha mãe sempre contava quando eu era criança: a fábula da “Formiguinha e a Neve”. Eu me sentia aflita com o sofrimento da formiguinha que implorava por ajuda a tudo o que via pela frente, porque estava com seu pezinho preso na neve. Nada nem ninguém podia ajudá-la.
Mas o desfecho dessa história me despertava um sentimento de alívio, de esperança. 

E a forma como minha mãe contava, com sua entonação e interpretação, era tão encantadora, que me lembro de fazê-la repetir a fábula inúmeras vezes, durante anos… até hoje, utilizamos essa mesma história como metáfora para alguma situação da vida. 

As interpretações para o final da narrativa são muitas, mas, para mim é uma história de fé, independente de religiões. É uma fábula que apresenta a primavera como o símbolo da mudança no caminho da formiguinha, abrindo espaço para a reflexão sobre as quatro estações do ano, como representações dos ciclos da vida. Tudo está em movimento. E mesmo quando nos sentimos sozinhos ou desamparados (cheios de frio nos tempos invernosos), há sempre esperança, uma chance… se tivermos fé nas forças de luz invisíveis que nos acompanham (seja qual for o nome que você dá ao que acredita), encontraremos o melhor caminho (e verdadeira ajuda) para nos desprender daqueles flocos de neve da vida que tanto nos desconfortam.

A FÁBULA DA FORMIGUINHA E A NEVE

“Numa certa manhã de inverno, uma formiguinha saiu para o seu trabalho diário, quando, de repente, um floco de neve caiu, prendendo o seu pezinho.

Aflita, percebendo que não conseguiria se libertar sozinha, a formiga olhou para o Sol e pediu:

Ó, Sol, tu que és tão forte, derreta a neve e desprenda o meu pezinho?

E o Sol respondeu: Mas eu não posso desprender o seu pezinho, porque mais forte do que eu é o muro, que me tapa.

Então a formiguinha olhou para o muro e disse: “Ó, muro, tu que és tão forte, que tapa o Sol, que derrete a neve, desprenda o meu pezinho?

O muro respondeu: “Mas eu não posso desprender o seu pezinho, porque mais forte do que eu é o rato, que me rói.

A formiga, já muito cansada, perguntou ao rato: “Ó, rato, tu que és tão forte, que rói o muro, que tapa o Sol, que derrete a neve, desprenda o meu pezinho?

E o rato respondeu: “Não posso, porque mais forte do que eu é o gato, que me pega”.

A formiga então perguntou ao gato: “Ó, gato, tu que és tão forte, que pega o rato, que rói o muro, que tapa o Sol, que derrete a neve, desprenda o meu pezinho?

Foi então que o gato disse: “Mais forte do que eu é o cão, que me persegue”.

A formiguinha perguntou ao cão: “Ó cão, tu que és tão forte, que persegue o gato, que pega o rato, que rói o muro, que tapa o Sol, que derrete a neve, desprenda o meu pezinho?

“Mais forte do que eu é o homem, que me domina”, respondeu o cão. 

E a formiga, quase sem força, perguntou ao homem: “Ó homem, tu que és tão forte, que domina o cão, que persegue o gato, que pega o rato, que rói o muro, que tapa o Sol, que derrete a neve, desprenda o meu pezinho?

O homem olhou para a formiga e respondeu: Não posso desprender o seu pezinho, porque mais forte do que eu é a Morte que me leva.

Cheia de medo, olhando para a Morte, a formiguinha implorou: “Ó Morte, tu que és tão forte, que levas o homem, que domina o cão que persegue o gato que pega o rato que rói o muro, que tapa o Sol que derrete a neve.. desprenda o meu pezinho?

E a Morte respondeu: Mas eu também não posso despender o seu pezinho, porque mais forte do que eu é Deus, que me governa.

Muito cansada e triste, então a formiguinha rezou baixinho: “Ó Deus, tu que és tão forte, que governas a morte, que leva o homem que domina o cão que persegue o gato que pega o rato que rói o muro, que tapa o sol que derrete a neve, desprenda meu pezinho?

E Deus, que ouve todas as preces, pediu à primavera que chegasse, enchendo os campos de flores e derretendo a neve, libertando a formiguinha de seu sofrimento. 

FIM 

E você, tem uma fábula favorita?

Camila Dourado

É a idealizadora da Rota Imaginária e tem ampla experiência em comunicação e produção cultural.
É formada em Letras pelo Instituto Presbiteriano Mackenzie, mas, desde 2004, escolheu o jornalismo como profissão.

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